As finanças do Palmeiras: do aperto financeiro ao posto de mais rico do futebol brasileiro

O discurso de austeridade e produtividade ficou no passado. O clube entrou numa era de bonança graças a três protagonistas – Paulo Nobre, Leila Pereira e Allianz Parque

“Não tenho dinheiro para comprar jogadores.” A frase, dita por Paulo Nobre após a eliminação no Campeonato Paulista em abril de 2013, soa descabida quatro anos depois. O discurso naquele ano era de austeridade e contratos remunerados por produtividade – o cartola perdeu logo de cara o argentino Hernán Barcos, ídolo até então, para o Grêmio. O clube quase caiu para a segunda divisão em 2014. Muita coisa mudou nas temporadas a seguir. Foram dezenas de contratações e salários crescentes. Novos ídolos surgiram. Os títulos da Copa do Brasil em 2015 e do Campeonato Brasileiro em 2016 vieram. Não por acaso. A performance esportiva alviverde melhorou porque o Palmeiras se tornou o clube mais rico do futebol brasileiro.

O retrospecto financeiro palmeirense se explica em três atos. O protagonista do primeiro deles é o próprio Nobre. E o pano de fundo, o endividamento. No início de sua administração, o dirigente encontrou dívidas de curto prazo impossíveis de pagar com as receitas correntes do clube, muitas delas antecipadas por presidentes anteriores. Para a sorte do torcedor, o novo presidente se tratava de um bilionário excêntrico. Em vez de tomar dinheiro emprestado com bancos, que cobrariam juros altos por causa do risco de calote, Nobre injetou mais de R$ 200 milhões do próprio bolso para sanar as dívidas. Nesse meio tempo, o Palmeiras fez o que nenhum outro, entre os grandes do futebol, conseguiu: não deve nem 1 centavo a bancos. Todos os R$ 125 milhões “bancários” devidos ao término de 2016 se referem ao dinheiro do ex-presidente. Coisa rara.

O endividamento do Palmeiras baixou em 2016 para R$ 282 milhões. A dívida trabalhista, de R$ 42 milhões, ainda aperta. São salários não pagos por administrações anteriores e viraram passivo depois que os atletas acionaram o clube na Justiça do Trabalho. No mais, as outras dívidas são menos preocupantes. Além dos R$ 125 milhões a serem pagos a Nobre, um endividamento que tem juros baixos e vai sendo amortizado conforme as receitas entram no caixa, há R$ 81,5 milhões devidos ao governo, refinanciados por meio da Timemania e do Refis da Copa. A situação da dívida fiscal é tão confortável que o Palmeiras foi um dos poucos clubes a recusar o Profut, a lei federal instituída em 2015 que permitiu a quase todos seus principais rivais parcelar débitos com o governo em até 20 anos.

O segundo ato tem outra protagonista: Leila Pereira. A dona das empresas Crefisa e Faculdade das Américas (FAM) – palmeirense, eleita conselheira em 2016 e dotada de motivações políticas – despeja um dinheiro sem precedentes na equipe. Foram R$ 91 milhões em patrocínio no decorrer de 2016. Não há paralelo atualmente. Corinthians e Flamengo, mesmo com torcidas mais numerosas, conseguiram respectivamente R$ 71 milhões e R$ 66 milhões com a mesma rubrica. O único caso semelhante, não mais ativo, foi a parceria entre Fluminense e Unimed, que perdurou mais de uma década e funcionou na prática como um “doping” financeiro. Os cariocas operavam acima de sua real capacidade financeira por causa de um patrocinador motivado pela torcida pessoal de seu presidente, Celso Barros, e suas ambições políticas.

O paralelo com o Fluminense da Unimed, que acabou com graves problemas financeiros quando o doping acabou, dá o tom sobre o desafio do marketing palmeirense: diversificar as receitas comerciais do clube para não continuar, como está hoje, dependente dos investimentos de um bolso só. Que fique claro. A dependência se dá no âmbito do departamento de marketing, mas nem tanto no quadro geral. O patrocínio de Leila corresponde a 18% das receitas palmeirenses em 2016, menos do que representaram o contrato de direitos de transmissão (33%) e a torcida (29%). A eventual saída da Crefisa logicamente faria com que o clube levasse um tombo e precisasse readequar suas despesas, um risco que o marketing alviverde precisa minimizar com a captação de novos parceiros, mas outras fontes de receitas tornam o clube menos vulnerável.

O protagonista do terceiro ato não é feito de carne e osso, mas de aço e concreto. O Allianz Parque. O modelo de negócios adotado pelo Palmeiras com a construtora WTorre foi criticado por muito tempo: o clube cedeu a administração do estádio por 30 anos e vai, durante esse período, receber integralmente as bilheterias de seus jogos e alguma coisa de outras receitas comerciais. Havia quem achasse que, por não ter o domínio integral sobre sua própria arena, o clube fosse se dar mal. Quando veio a realidade pós-Copa do Mundo, da Operação Lava Jato e da crise econômica generalizada no país, o modelo se mostrou o mais seguro. A direção alviverde embolsa R$ 149 milhões com bilheterias, sócios-torcedores e clube social, todas fontes de receita atreladas ao estádio, enquanto rivais como Corinthians e Grêmio, em modelos diferentes, ficaram para trás.

O mais surpreendente, no resumo da ópera, é que a bonança palmeirense tem tudo para continuar. A Crefisa continuou a aumentar seus investimentos em 2017, com cerca de R$ 30 milhões investidos à parte em janeiro em novas aquisições de atletas, embora não precisasse pagar nada a mais para manter seus patrocinados satisfeitos. Até o prêmio pela assinatura de um novo contrato com Cuca, o técnico campeão nacional que voltou há pouco à equipe, foi pago pela generosa patrocinadora. A folha salarial, em R$ 198 milhões ao término de 2016, continua a aumentar, enquanto adversários controlam seus gastos como fez Nobre em 2013. Nada disso garante que o clube paulista vá ser campeão de tudo o que jogar. O dinheiro aumenta a probabilidade, mas quem determina o resultado é o atleta em campo. Mas se há um time que entrará como favorito na competição que for por alguns anos, este é o Palmeiras.