Duros tempos, na chegada ao país prometido

É impossível separar a história do Palmeiras de um dos capítulos mais honrosos da História brasileira (particularmente da de São Paulo): o da imigração italiana. Por isso, a história começa, na verdade, bem antes de 1914, quando quatro entusiastas reuniram-se para fundar o Palestra Itália. Mais exatamente vinte anos antes, em 1884, quando o Brasil vivia os últimos anos da escravidão e a Itália as guerras da unificação que, naquela altura, dividiam o país. Espantados, nativos da Cam­panha, Apúlia, Lombardia, Calábria, Vêneto, Trento, Ápoles decidiram fugir do conflito e fazer a América. Neste continente, o destino, absolutamente desconhecido, era um certo Brasile, do qual o pouco que se sabia eram coisas de arrepiar o cabelos. De acordo com tais lendas, seria um país inóspito, selvagem povoado por animais ferozes e famintos.

Navio com imigrantes Italianos chega ao Brasil
Navio com imigrantes Italianos chega ao Brasil

Havia, no entanto, uma promessa pela qual valia o risco: em tal país seria possível cada um ter sua terra própria … e nela progredir. Mais: não faltaria lugar para trabalhadores livres, pois os brasileiros esta­vam cuidando exatamente de abolir a vergo­nhosa escravidão e iriam tomar contato com a mão-de-obra remunerada. E lá vieram os imi­grantes, a maioria para trabalhar nas fazendas de café paulistas, em grande expansão.

Aberta a imigração em massa para Brasil, o italianos lideravam os contingentes. Tanto que até 1900, o último ano do século, eram 1.038.985 pessoas registradas nos serviços de imigração de então. Um canto, quase um hino de guerra, acompanhava as levas que saíam da Itália, no embarque, durante a travessia do A­tlântico (feita em condições precaríssimas, em navios api­nhados) até a chegada ao porto. A vida nas fazendas dos paulistas, no entanto, em muitos casos matou boa parte das esperanças e fez diminuir o entusiasmo da partida. É que os fazendeiros e seus capa­tazes, desacostumados a lidar com trabalha­dores livres, tratavam os recém-chegados da mesma forma como haviam tratado os escra­vos africanos. Os maus tratos eram tantos que muitos desistiram de batalhar pelo “pote de ouro” que haveria no Novo Mundo e vol­taram para a Itália ou foram tentar a vida na Argentina e Uruguai. Tal situação chegou ao ponto de os governos europeus proibirem a imigração de seus cidadãos para o Brasil em 1902. Os que ficaram foram levando uma vi­da dura, com jornadas de trabalho de 12 a 16 horas diárias. Os artesãos e outros trabalha­dores que não haviam ido para as fazendas (e aqueles que as deixaram quando não havia mais necessidade de mão-de-obra nelas) co­meçaram então uma tarefa, cujo desfecho grandioso evidentemente nem sonhavam: construir São Paulo.

A dureza do dia-a-dia obrigava os imigran­tes a desenvolver um agudo senso de solida­riedade. Um pequeno exemplo disso está no livro “Retalhos da Velha São Paulo” (OESP­-Maltese, 1987) de Geraldo Sesso Jr. Ali, ele conta a história de Carmino Corvino, um na­politano de Salerno mais conhecido por Don Carmenielo. Com o apelido ele batizou aque­la que aparentemente é a primeira cantina aparecida na então provinciana capital paulis­ta. (Os imigrantes “da cidade” mais tarde iriam continuar essa tradição, ao fazerem proliferar as cantinas, abrindo para São Paulo o cami­nho de se tomar uma das cidades onde me­lhor se come no Brasil… e que não faz feio no mundo todo.)

Localizado no bairro do Brás, onde estava boa parte da colônia italiana, o estabelecimento tinha mesmo o espirito das cantinas italianas, pois Don Carmenielo mo­rava com a família no fundo de sua casa de negócio. Um quarto construído no quintal fi­cava reservado para acolher patrícios recém­ chegados em dificuldades, aos quais, além de cama e comida, o cantineiro costumava em­prestar uma pequena quantia de dinheiro até a regularização da situação deles no país. As­sim, o lugar tomou-se logo um dos pontos de reunião obrigatórios da colônia italiana. Lo­go, logo, haveria muitos outros …